O Mourinho da Reboleira

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Friday, May 30, 2014

O Mourinho da Reboleira

Talvez não faça muito sentido comparar Mourinho a Jorge Jesus. Por muito bom que Jorge Jesus se ache ser (e tem todo o direito de achar – e de dizer – que é dos melhores), Mourinho tem a experiência de ter treinado (e ganho) nos grandes clubes europeus.

Será o mesmo que comparar João Vieira Pinto com Luís Figo. João Pinto será sempre um dos melhores jogadores portugueses, mas Figo será sempre um dos melhores do mundo, figura principal do Barcelona e depois do Real Madrid, com toda a carga e o mediatismo que o seu percurso no futebol acarreta.

Triunfar lá fora, e isto nem é só no futebol, é uma tarefa dificílima só por si. Eu que sou emigrante, à semelhança de outros emigrantes que por aqui comentam, sabem que ser português no estrangeiro não é fácil para ninguém. Um português no estrangeiro sabe que terá de ser sempre MUITO melhor que os outros para merecer qualquer tipo de crédito e respeito.

Um português na Europa civilizada é uma espécie de Ucraniano em Portugal, que aterra em Lisboa com Licenciatura e Mestrado e acaba a lavar escadas. Pode, claro, chegar lá acima, mas tem de suar mais do que os outros e não se deixar rebaixar por quem o tenta espezinhar todos os dias.

E Mourinho preparou-se para essa batalha desde cedo. O objetivo foi sempre o topo, lá fora, nos grandes clubes do futebol europeu. Jorge Jesus não. Jorge Jesus é do tempo em que a Europa do futebol era uma miragem, um paraíso restrito aos dois ou três estrangeiros autorizados a jogar em cada equipa, e para ele o objetivo máximo de carreira foi sempre chegar a um grande do futebol português.

Eventualmente terá percebido a meio do caminho na Luz que seria possível mais qualquer coisa, sair da sua zona de conforto e arriscar numa aventura lá fora, aventura com que nunca sonhou nem para a qual se preparou devidamente. Mas talvez não tenha sido essa uma ambição tão grande ao ponto de deixar o seu país e a sua família à qual parece ser tão chegado e iniciar uma aventura lá fora já perto dos 60 anos.

Não creio que o problema seja, como alguns dizem, o fraco domínio da língua inglesa. Um dos melhores treinadores da Premier League, o treinador do Southampton Maurício Pochentino, e que agora assinou pelo Tottenham, está em Inglaterra há dois anos e continua a só falar espanhol nas conferências de imprensa.

E por isso percebo a necessidade que Jesus tem em falar no FCP. Porque ele quer que se saiba que se o que o movesse fosse o dinheiro, já hoje estaria a ganhar mais de 4 milhões a Norte do Douro. E percebo a necessidade que Jesus tem em dizer que recusou o Milão. Porque ele sabe que um dia eu vou estar numa esplanada a beber mínis e a comer caracóis com o Shadows, e o Shadows (como muitos outros) vai dizer aquilo que muitos dizem em relação ao Cardozo: “Se era assim tão bom porque é que nunca saiu?” Jorge Jesus faz por isso questão que toda a gente saiba desde já que só não saiu porque não quis!

Mas também por isso Jorge Jesus nunca será dos melhores, mesmo que se ache com potencial para ser o melhor de todos. João Pinto também nunca poderá dizer que foi dos melhores, porque ser dos melhores é ser o melhor nas melhores equipas e nas ligas mais mediáticas e medindo forças contra os melhores jogadores do mundo. O futebol português, convenhamos, não tem relevância nenhuma no panorama do futebol europeu.

Eu sempre achei Mourinho um dos melhores do mundo. Achei e apoiei e fui sempre admirador, não esquecendo nunca o quanto ter um Mourinho ou um Ronaldo portugueses me ajudou milhentas vezes a meter conversa com desconhecidos em terra estranha. São figuras do mundo, gente sobre a qual toda a gente tem algo a dizer... E Jorge Jesus? Jorge Jesus será sempre uma espécie de Mourinho... Mas o Mourinho da Reboleira.

Jorge Jesus é convencido – dizem alguns. Acha-se o melhor de todos. Na minha opinião é genuíno e verdadeiro, e se realmente é o que acha, eu prefiro que ele o assuma em vez de entrar no politicamente correto e a dizer o que todos dizem, meia dúzia de balelas que só os “gajos inteligentes” sabem dizer, balelas tipo aquela de estar na cadeira de sonho e 15 dias depois ir embora.

Recordo que Mourinho chegou a Londres a primeira vez, e na primeira conferência de imprensa que deu disse logo que “era especial”. Nasceu ali o “Special One” e, claro, foi motivo de gozo na imprensa inglesa, um portuguesito acabado de chegar à maior liga do mundo e a reclamar estatuto entre os melhores. Caiu o Carmo e a Trindade! Caramba, de um português espera-se sempre que pense pequenino, que ambicione pouco, que fale baixinho e que seja modesto acima de tudo.

Mas ele era dos melhores e  assumiu-o publicamente, e provou sê-lo dentro do campo, e com o tempo, os tais defeitos como a arrogância e a vaidade transformaram-se de repente em qualidades para a imprensa, o Self Made Man, uma espécie de referência para todos aqueles que querem singrar na vida.

Claro que é fácil ser-se vaidoso e arrogante quando se ganha. Mourinho tem as vitórias do seu lado. Para Jorge Jesus é mais difícil vencer essa batalha porque começou a vencer tarde demais. A fronteira entre o reconhecimento do mérito e a exposição ao ridículo pode ser apenas uma bola que acerta na trave. Mourinho por exemplo já começa a sentir dificuldades às quais não estava habituado. Porque continua a comprar muitas guerras, e não tem vitórias nos últimos dois anos para dar suporte às suas lutas.

Mas talvez seja nestes momentos em que as coisas não correm tão bem que a auto-confiança tenha de ser mais vincada. Eu não duvido que Jorge Jesus, à semelhança de Mourinho, acreditou sempre que iria dar a volta por cima e não teve medo de subir a escada a pulso. E vai acabar por cima, não duvidem, porque quando as pessoas são capazes e competentes, quando acreditam e lutam pelos seus sonhos diariamente e nunca desistem, a qualidade vem sempre ao de cima, mais cedo ou mais tarde.


É assim no futebol... E em tudo na vida...



P.S. Acabaram por se sobrepor dois posts extensos numa sexta-feira à noite. Sigam para baixo e não deixem de ler o excelente post do Benfica Eagle sobre as finanças dos três grandes do futebol português.

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