O que me vai parecendo é que para alguns existe a ideia instalada de que aos adeptos permite-se tudo, porque os adeptos pagam bilhete, e isso dá-lhes o direito não só de exibir lenços e assobiar, mas até de ofender as mães de jogadores que fazem um passe mal feito ou de chamar de chulos a jogadores que ao longo dos anos sempre deram provas de defenderem a camisola do Benfica até à exaustão, mesmo quando jogam mal.
Como hoje se soube, a reação de Luisão até foi em defesa de um colega, Maxi Pereira, um daqueles que jogue bem ou mal deixa sempre a pele em campo, e que terá seguramente sido arrasado literalmente por alguém que gritava daquela bancada, e a quem, Luisão, por princípio ou até pelo papel que tem no balneário, sentiu necessidade de defender respondendo à letra.
Por isso, as imagens mostram um insulto de Luisão, o que não provam é se é um insulto generalizado, se é um insulto dirigido a alguém em particular, que se calhar até o mereceu. Seguramente também, se calhar erradamente, fê-lo naquilo que julgava ser a defesa do seu colega de equipa, da equipa e do balneário. Pelo que consta, o assunto nem era com ele.
Os adeptos podem pois chamar os jogadores de "filho da puta", "chulo", o que quiserem, menos chamar de "preto" a um jogador que até é preto, se não o jogo pára; ofensa pois bem mais grave que chamar filho da puta a um jogador cuja mãe até é freira. E ai do jogador que responda!!
E os jogadores também podem pois agredir treinadores e os adeptos fazem vigílias exigindo que o jogador fique. Ofender adeptos é que não, isso é sagrado!
Não terão sido inocentes também os abraços no fim do jogo de Jorge Jesus, Luisão, Rui Costa e outros colegas a Maxi Pereira, até porque, devido ao erro ou ao que foi ouvindo da bancada, saiu do relvado completamente arrasado na sua auto-estima, o que prova que alguma coisa se passou. Quero com isto dizer que Luisão reagiu bem e merece ser condecorado? De maneira nenhuma. Mas quero dizer que este não é um caso de fácil avaliação, tipo ou é preto ou é branco, e toca a fazer um estágio na equipa B! Há atenuantes.
Nuno Gomes, um grande benfiquista segundo alguns, fartou-se de mandar calar os sócios do Benfica ao longo da carreira, de cada vez que marcava um golo decisivo já debaixo de coros de assobios. O mesmo fez Cardozo, Ronaldo, Rooney, Tevez, Suarez, tantos outros, ou até Cantona que deu uma biqueirada num adepto por se ter sentido ofendido com algo que ouviu da bancada. Não foi por isso que deixou de ser quem é, de ser capitão do Man United, nem de ser um herói nas bancadas de Old Trafford!
Sinceramente, isto a mim melindra-me pouco, porque tenho a certeza de que não foi a mim que Luisão mandou para o car&/*o!! Estou tranquilo, porque eu não adopto em nenhum estádio de futebol comportamentos que firam a dignidade das pessoas, protegido pela cobardia do anonimato que a multidão da bancada me dá. Seguramente não chamo chulo a ninguém, e muito menos a alguém que defende com toda a sua alma, no melhor que sabe, a camisola do meu clube há uma carrada de anos. Já assobiei... no final do jogo, que é quando acho que o devo fazer.
Pois se para alguns o argumento é de que o adepto paga bilhete e que por isso tudo lhe é permitido, e ao jogador resta apenas comer e calar, gostaria de perguntar qual seria a resposta desses mesmos moralistas, se um dia nos seus empregos, depois de um mês de entrega total a algum projeto no qual deixaram sangue, suor e lágrimas, o patrão chega e arrasa tudo o que se fez, juntando ainda à critica profissional, um epiteto de “chulo” em público ou até de um “filho da puta” à mistura, epítetos que ferem naturalmente a dignidade das pessoas e fazem virar mesas e voar cadeiras!
Aquele minuto 92 foi de facto de muita, muita emoção, e muitos comportamentos irracionais. Enzo por exemplo celebrou o golo dando uma biqueirada na câmera fotográfica de um fotógrafo, que teve de ser paga e podia ter causado ferimentos ao próprio fotógrafo. Deve também ser punido com a equipa B?
Àqueles que hoje criticam Luisão, e lembram alguns episódios infelizes do capitão ao longo dos anos, eu gostaria de lembrar o seguinte:
Luisão tem 10 anos de clube! DEZ! Apanhou o mau, o bom, o crescimento, os treinos no campo do Real Massamá, os jogos do Estádio Nacional quando a Luz foi abaixo. Ao longo desses 10 anos foi sempre um exemplo de dedicação no relvado e fora dele. Acho que profissionalmente nada se lhe pode apontar. Foi um jogador que chegou do Brasil internacional brasileiro, naturalmente cheio de sonhos, profissionais e naturalmente financeiros também. Chegou ao Benfica, como poderia ter chegado ao Porto, ao Lyon ou ao Arsenal. Não chegou seguramente benfiquista, não chegou ao clube dos sonhos dele, nem com objetivos de fazer na Luz toda a sua carreira.
Chegou, afeiçoou-se ao clube, ganhou importância na estrutura e foi ficando. E se foi ficando, é porque à Luz, apesar do seu valor, nunca chegou uma proposta irrecusável, tipo aquela de David Luíz. Mas é também admissível que se calhar, a Luisão chegaram muitas propostas irrecusáveis de outros clubes, propostas salariais, se comparadas com aquilo que recebia do Benfica.
Claro que nestas horas vêm sempre os românticos com as conversas dos contratos assinados, das responsabilidades contratuais (esquecendo-se que ao fim de dois anos os contratos ou são renovados ou os jogadores podem sair ao fim do terceiro), mas eu, na forma como vejo as coisas, não me surpreende nem melindra mesmo nada, que em certas alturas da sua vida Luisão tenha reclamado melhores condições salariais, em troca da sua dedicação, em troca do peso que sempre teve no balneário, e em troca de muitas propostas financeiras milionárias que recebeu de outros clubes e de que nunca pode usufruir, pois o Benfica nunca o cedeu.
Ainda em relação a Luisão, gostaria de lembrar a última conquista da Taça da Liga pelo Benfica, há dois anos, quando o capitão se dirigiu à bancada para oferecer a camisola aos adeptos, e depois de a atirar para a bancada esta foi-lhe devolvida e deixada no chão. Este para mim, um dos maiores insultos que vi num estádio de futebol, a um jogador com 10 anos de casa e que em termos profissionais não há nada a apontar.
Da minha parte, Luisão, apesar de um ato que poderia ter sido evitado, todo o respeito do mundo, porque te entendo. És a prova provada de que os adeptos esquecem sempre tudo muito rapidamente, e que no fim das contas, no fim de tudo, na hora em que as pernas já pesam e outro há-de chegar para te substituir, aquilo que guardam na memória, é a meia dúzia de momentos menos felizes, coisas menores, com que apagam toda a dedicação e a paixão, e todo o suor deixado na nossa camisola ao longo de toda uma longa carreira.
O amor à camisola é cada vez mais algo que muitos adeptos exigem, muito poucos o merecem!
Bem hajas Capitão!
P.S. Como resolveria eu este incidente? Sem grande alarido, numa conversa privada com Luisão, pedindo-lhe mais sangue frio nestes momentos a quente, que claro podem e devem ser evitados.
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