O tema da arbitragem é um tema fantástico para quem gosta de futebol. Porque a arbitragem permite tudo. A arbitragem serve para desculpar as nossas falhas, serve para desvalorizar os méritos dos outros. A arbitragem é mais assunto que o próprio jogo. A arbitragem dá emprego a paineleiros e ex-árbitros de futebol. A arbitragem faz programas de televisão. A arbitragem cria experts em arbitragem que ao longo da sua vida nunca sopraram num apito.
A arbitragem é pois o tema das reuniões de amigos numa tarde na esplanada e o que faz o futebol durar de Domingo a Domingo sem horas mortas. Por isso, claro que compreendo a relutância que quem manda no futebol tem em introduzir a tecnologia no jogo e retirar dele grande parte do erro do apitadeiro, porque há dúvidas, e quanto a mim legítimas, que sem o erro arbitral o futebol pudesse continuar a ser o fenómeno de massas que é hoje.
E depois há gajos (e eu sou um deles) que acha que assumindo as minhas cores de Benfiquista, vou continuar a poder analisar lances de arbitragem que envolvam o meu clube de uma forma completamente isenta. Na verdade não consigo. Mas há paineleiros todas as noites na TV que acham que sim, que têm conhecimentos e credibilidade para analisar lances arbitrais de forma neutra...
Reparem, em pelo menos 15 anos destes programas de debate clubístico, e tendo todos nós já assistido a diferenças de opiniões em relação a lances arbitrais entre os diferentes comentadores, alguém se lembra de alguma vez ter visto por exemplo, num possível penalty a favor do Benfica, os paineleiros azul e verde a insistirem que é penalty a favor do Benfica, e o paineleiro vermelho a insistir aos berros que não é?! Se não assistiram, eu garanto que também não, e daí a prova que de facto, o objetivo dessas discussões não é chegar à verdade mas apenas defender as cores de cada um.
Eu fui no passado árbitro de futebol da Associação de Futebol de Lisboa. Não vou dizer que fui um árbitro de futebol à séria porque só lá andei duas épocas, e fi-lo por brincadeira, o objetivo nunca foi chegar a profissional. Foi curta a minha experiência, mas para lá ter andado tive de passar pelo curso de formação por que todos passam.
E o que é a formação de um árbitro? Testes físicos, provas escritas, escalpelizar as leis do jogo, normas de conduta, posicionamento no campo, acompanhamento dos lances, sintonia entre árbitro e fiscais de linha, preenchimento do relatório de jogo, policiamento, em suma conseguir a bagagem que permita ao árbitro lidar com todas as vicissitudes que se lhe deparam desde o momento em que as equipas chegam ao estádio até ao momento em que de lá saem.
No curso que frequentei, árbitros de renome como António Marçal e Jorge Coroado foram monitores, e logicamente é sempre bom beber conhecimento de pessoas com tanta experiência na profissão ou ouvi-los explicar-nos os porquês de terem decidido como decidiram alguns lances que todos nós nos lembrávamos de ter visto na televisão.
Agora, aquilo que ninguém ensina num curso de arbitragem é quando é que um puxão na área é motivo de penalty ou deixa de ser. Ou como é que se aprende a avaliar se a bota toca de raspão na canela do avançado ou toca com força suficiente para o fazer cair. Isso é o critério do árbitro, a subjetividade do seu julgamento, que aliciado à sua personalidade fará dele bom ou mau na sua profissão.
Ninguém nos ensina a arte de medir a intensidade do toque através dos olhos. A única coisa que nos ensinam é como nos posicionarmos no terreno de jogo de modo a ter de cada lance o melhor campo de visão possível!
99% dos lances de dúvida que se analisam todas as semanas na TV são tão passíveis de ser analisados por um árbitro de futebol como por um canalizador ou um electricista. Não há ciência nenhuma, embora os experts nos queiram fazer crer do contrário, usando quase sempre palavras caras como “efetivamente” para dar um tom mais científico à coisa!
Eu por exemplo, que quando jogava à bola era quase sempre defesa, sou muito mais tolerante em relação aos toques dos defesas nos avançados na grande área, do que será um árbitro de futebol que tenha jogado sempre a ponta de lança.
Ninguém nos ensina que se a mão do defesa tocar no avançado é penalty. Mas também ninguém nos ensina que não é. A nossa sensibilidade ditará o nosso juízo, e a única coisa que se pode avaliar é a coerência do nosso juízo, passível apenas de ser avaliado através da análise de decisões tomadas em lances similares e em jogos diferentes ao longo do tempo.
Resumindo:
Ter um curso de árbitro de futebol não é bem a mesma coisa que ter um curso de medicina ou bioquímica e adquirir um conjunto de conhecimentos que o Zé Povinho não entende, nem Deus Nosso Senhor Lá Em Cima, terá dado a um árbitro de futebol qualquer espécie de olho clínico negado aos outros comuns mortais. Embora ajude conhecer bem as leis do jogo, todos nós somos experts de alguma maneira, desde que tenhamos acesso aos lances e tenhamos pelo menos um olho na cara!
Num lance por exemplo como o possível penalty sobre Pardo contra o FCP no último Sábado, porque razão há-de ser o veredicto de Jorge Coroado mais válido que o meu? Há um toque? Há, isso todos viram! A única discussão passível de ter é entre quem acha que aquele toque provoca a queda de Pardo e quem acha que não! 99% dos Benfiquistas acharão que sim e 99% dos Portistas acharão que não! Assunto arrumado!
Se há diferença entre qualquer um de nós e Coroado, é que o Jorge Coroado opina num jornal desportivo, e por isso é um instigador de opinião que chega a muito mais gente. De certeza absoluta que Jorge Coroado não tem um intensómetro mais apurado do que nenhum de nós.
Se existe hoje em mim a curiosidade de ler por exemplo o Tribunal do Jogo para ver a forma como se avaliam certos lances discutíveis, não é porque ache que seja ali que vou encontrar a verdade. Até mesmo os ex-árbitros desse painel discordam entre si na maioria das vezes!
Se existe essa curiosidade é porque é nesse Tribunal que se cria uma onda opinativa que tentam passar como credível (ex-árbitros e coisa e tal), que fomenta uma espécie de consenso geral do país em relação a lances controversos, consenso esse que depois alguns tentam vender-nos como “a verdade absoluta”, e que depois é passada para o sub-consciente dos árbitros com o propósito de tentar influenciar atuações futuras.
Tivesse sido isto o que Pinto da Costa quis dizer quando afirmou que só os burros discutiam arbitragem e teria estado totalmente de acordo...
Discutir arbitragem é mesmo do mais estúpido que há...
...Não fosse o senão de todos sabermos que é também pela arbitragem que passa a atribuição de muitas taças e campeonatos.
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