Como decerto sabem, existe uma série de livros com o título "for Dummies". Normalmente servem o propósito de satisfazer a curiosidade de quem quer aprender algo mais sobre determinado tema, de uma forma simples e sem grandes chatices. Só é preciso ler o livro e fica-se logo com umas noções sobre qualquer tema, desde astronomia à arte de fazer cocktails, passando por todo o software possível e imaginário, e vinho. Isto para dizer que acho estas edições bastante úteis para meu enriquecimento pessoal e vai daí… o título do post.
Antes das conclusões que retiro do Relatório Intercalar do SLB, queria só deixar uma nota introdutória para o leitor.
Nota
- Um Balanço representa a estrutura da empresa. O que a empresa tem (ativo), como se financiou para o obter (passivo) e qual o valor investido e acumulado pelos acionistas (capital próprio). Sendo uma demonstração financeira que representa um stock, e não um fluxo de capitais, é menos volátil e demonstra a evolução patrimonial e a dimensão da empresa. É o instrumento contabilístico que mostra como é constituída financeiramente a empresa e qual o equilíbrio das suas contas, sendo que Ativo = Passivo + Capital Próprio.
Dentro do Balanço podemos ver as suas três componentes: o Ativo, o tão falado Passivo e o Capital Próprio. Neste último estão incluídas duas componentes: o capital inicialmente investido pelos acionistas e os resultados acumulados dos períodos anteriores e o do período em análise. Obviamente que se espera que uma empresa saudável apresente um determinado nível de capitais próprios… positivos. E é aqui é que a porca torce o rabo. Já lá vamos. - A Demonstração de Resultados indica se a empresa obteve lucro ou prejuízo num determinado período. Sendo o espelho de um fluxo de capitais durante um determinado período curto de tempo (normalmente 3, 6, 9 ou 12 meses), é bastante volátil e depende da performance obtida nesse período que tanto pode ser graças a fatores recorrentes (atividade normal) ou a fatores não recorrentes (um evento extraordinário que ocorre ocasionalmente).Dentro da Demonstração de Resultados podemos ver uma rubrica bastante importante: os Resultados Operacionais. São a diferença entre os rendimentos obtidos com o "negócio" e os gastos inerentes à atividade da empresa/SAD. Podemos dizer que é um indicador que nos diz se o "negócio" dá ou não dá lucro por si só. No fundo, diz-nos se a empresa/SAD tem ou não capacidade de gerar lucro apenas com a sua atividade natural, e de manter as portas abertas. No caso das SADs, este resultado é apresentado com a discriminação entre resultados obtidos com e sem os fluxos envolvidos com a transação de atletas. É aqui que a porca torce o rabo… outra vez… Mas já lá vamos.
- A Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD divulga as suas contas de forma consolidada. Isso significa que a SAD agrega as contas da empresa-mãe com as suas subsidiárias, de modo a que as contas representem a situação financeira e os resultados das operações do grupo como se de uma única entidade se tratasse, pretendendo apresentar apenas os resultados das operações que as empresas do grupo tiverem com terceiros. Mas nem todas as SADs em Portugal o fazem… Porque será?
O Relatório
Pegando nas citações que considero mais relevantes no Relatório Intercalar do 3ª trimestre 2013/2014 chegamos a algumas conclusões interessantes:
"Este é o primeiro período em que a atividade da Benfica TV é consolidada de forma integral na Benfica SAD"
"O primeiro ano de exploração dos direitos de transmissão televisiva dos jogos de futebol da Liga Zon Sagres diretamente pela Benfica SAD através da sua participada Benfica TV, que permitiu uma melhoria significativa dos rendimentos obtidos nesta área de negócio"
"Os rendimentos operacionais aproximaram-se dos 72,9 milhões de euros, o que corresponde a um crescimento de 17,9% (…). Este aumento é essencialmente suportado pelo novo modelo de exploração dos direitos televisivos (…). Desta forma, as receitas de televisão atingiram os 20,2 milhões de euros e passaram a ser a principal fonte de rendimentos do Grupo Benfica SAD, excluindo as transações de atletas."
"O ativo consolidado da Benfica SAD no final do 3º trimestre de 2013/2014 ascende a 416 milhões de euros, valor idêntico ao verificado a 30 de Junho de 2013."
"O passivo consolidado da Benfica SAD registou uma diminuição de 17,1 milhões de euros face a 30 de Junho de 2013, tendo as principais reduções ocorrido nas rubricas de fornecedores e outros credores."
"Os capitais próprios consolidados no período em análise sofreram uma melhoria de 16,5 milhões de euros, essencialmente justificada pelo resultado líquido positivo de 15,8 milhões de euros, (…). Apesar desta melhoria, os capitais próprios consolidados a 31 de Março de 2014 ainda são negativos em cerca de 7,4 milhões de euros, continuando o Conselho de Administração convicto que é possível melhorar de forma faseada os rácios de capitais próprios da Benfica SAD através de uma evolução positiva dos resultados durante os próximos anos, nomeadamente mediante a maximização de receitas operacionais, a presença assídua na Liga dos Campeões, o controlo de custos e a obtenção de ganhos com a alienação de direitos desportivos."- Capitais Próprios negativos. O primeiro real problema, a corrigir a médio prazo. Nesta citação encontra-se a frase que considero ser a mais importante de todo o documento. Para memória, recuem ao último parágrafo e leiam lá outra vez o que está sublinhado se faz favor.
"O resultado operacional consolidado da Benfica SAD no final do 3º trimestre de 2013/2014 ascendeu a 30,5 milhões de euros, o qual foi (…) fortemente impulsionado pelos ganhos gerados com a alienação de direitos de atletas no decorrer do mês de Janeiro de 2014."
"O resultado líquido consolidado no final do 3º trimestre de 2013/2014 ascendeu a 15,8 milhões de euros, o que corresponde a uma melhoria de 115,4% face ao período homólogo, sendo o mesmo justificado pelos resultados positivos obtidos nas transações de atletas."- O que parece ser um aspeto positivo, não o é. Esta dependência na venda de jogadores não pode ser o caminho a seguir. Eis o busílis da questão. Este é, para mim, o principal problema nas contas do Grupo SLB.
"Os gastos operacionais também cresceram face ao período homólogo, tendo aumentado 21,1% e atingido os 75,8 milhões de euros. Esta variação está fortemente relacionada com a inclusão da Benfica TV no perímetro de consolidação da Benfica SAD e com o aumento da massa salarial do futebol profissional."
"Os gastos líquidos de financiamento aproximaram-se dos 14,8 milhões de euros, o que representa um acréscimo de 2,3 milhões de euros face ao período homólogo. Esta variação é explicada pela redução dos rendimentos e ganhos financeiros provenientes das atualizações de dívidas e pelo aumento dos juros suportados pelo Grupo Benfica SAD."- Numa altura em que se pretende reduzir custos, estes dois aspetos têm claramente que ser corrigidos.
Conclusão
No caso do Benfica, as empresas do Grupo e a Marca do clube têm apesar de tudo, na minha perspetiva, uma dimensão para suportar um Passivo elevado, sendo que por norma quanto maior a dimensão da empresa, maior o seu Balanço. Tal como em tudo na vida, é apenas uma questão de equilíbrio e o problema atual é que o Passivo é excessivo porque os Capitais Próprios são negativos. Porquê? Tal como se pode constatar pelo Balanço apresentado pela SAD, por causa dos resultados e reservas de capital negativas acumulados nos períodos anteriores:
É certo que para crescer tem que haver investimento. Para haver investimento tem que haver dinheiro. Para haver dinheiro, ou se tem fundos próprios ou se pede emprestado. Como não temos, pedimos emprestado e o passivo chegou onde chegou. Mas sinceramente nem é isto que me preocupa, até porque o Passivo é necessário no processo de crescimento de uma empresa. O problema principal nem está na situação atual do Balanço (apesar de desequilibrada), uma vez que seguindo o rumo certo é uma situação reversível a médio prazo. O problema é a forma como LFV e Companhia definem como estratégia para parar com os "Resultados acumulados" negativos e corrigir a situação patrimonial do Grupo Benfica.
Voltando à frase mais importante do documento, o "Conselho de Administração" pensa obter uma "evolução positiva dos resultados durante os próximos anos, nomeadamente mediante a maximização de receitas operacionais". Em tempos de austeridade e fair-play financeiro, é mais do que óbvio que o controlo de custos é uma necessidade, mas a dependência de uma "presença assídua na Liga dos Campeões" e a necessidade de "obtenção de ganhos com a alienação de direitos desportivos" é declaradamente o que guia a SAD. É aqui que entra a minha preocupação.
Como podem ver, a dependência nota-se na Demonstração de Resultados, com a descriminação dos Resultados Operacionais com e sem atletas:
Só com a venda de jogadores é que os Resultados Operacionais se tornam positivos. Sem a transação de atletas é como se o "negócio" desse prejuízo e o Benfica teria que fechar portas mais cedo ou mais tarde. Desculpem, mas recuso-me a admitir que a venda de atletas faça parte do negócio natural do Grupo Benfica. Deveria ser explorado ao máximo e ser um dos objetivos (como é atualmente) da Direção e da equipa técnica, mas sempre encarado como mais-valia e não como uma parte da atividade do clube. O clube tem que ser sustentável, e só o será sem esse tipo de dependência. Ao tornar as transações de atletas "negócio" do clube, estaremos apenas a ser um clube de passagem para empresário usar para proveito próprio. Não. Eu não quero isso para o Benfica.
A estratégia traçada pela Direção para atingir o equilíbrio das contas não é, assim, a mais correta. Obviamente que é uma via (seguida não só pelo Benfica como também pelo SCP e principalmente pelo FCP) para atingir o fim pretendido. Mas se até aqui temos tido um treinador capaz de valorizar ativos e vendê-los ao ponto de conseguirmos ter resultados operacionais positivos, o que vai acontecer quando isso não acontecer? E se quem suceder a JJ não o conseguir fazer e voltarmos ao insucesso desportivo? É óbvio que as contas se irão agravar… Daí que para mim o caminho deve ser outro: diminuir os gastos operacionais através da redução dos custos com pessoal (ao contrário do que aconteceu neste período) e potenciar a marca Benfica de forma aumentar os rendimentos operacionais. Para isso, alguns passos até já foram dados: a Benfica TV e a campanha de angariação de sócios são disso exemplo, mas há um longo caminho a percorrer. Não vou aqui discutir estratégia, mas digo claramente que EU não concordo com esta Champions-dependência e mercado-dependência que urge corrigir.
É minha convicção que em Portugal só o Benfica tem a capacidade de o fazer. A questão é que a nossa Direção elegeu esta mesma dependência como estratégia para dar a volta ao desequilíbrio das contas. Temos tido algum sucesso recentemente, mas… até quando?
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