Depois há outros, Di Maria por exemplo, que se calhar legitimamente achou que a sua categoria merecia mais, mas também alguém que ainda o avião vinha no ar para aterrar em Lisboa já dizia que queria era aterrar em Londres, porque a Luz era apenas uma passagem para algo melhor. Estes passam pelo clube, são nossos ídolos enquanto cá estão mas, também os esquecemos rapidamente.
E depois há ainda outra espécie, aqueles que nunca foram de falar muito nem de se por em bicos de pés, que nunca se acharam grande coisa mas que a gente sabe que são enormes, enormíssimos, gigantes. E dessa estripe rara há dois que eu quero aqui lembrar hoje, que não sendo maiores que o clube porque desse nem Eusébio foi, sempre me fizeram sentir que eram quase tão grandes como o clube, deixando em mim a incómoda sensação que o Benfica lhes devia qualquer coisa: devia-lhes a carreira que a sua classe merecia.
Michel Preud'Homme e Pablo Aimar são dessa estirpe. Sobre o belga, não vou dizer que era inquestionavelmente o melhor guarda-redes do mundo mas, vou dizer que, no seu tempo, se me dessem a escolher um guarda-redes qualquer para eu colocar na baliza do Benfica, era o Michel que eu lá punha. O homem era soberbo e tinha mística, só que teve o azar de chegar ao Benfica na altura errada...
Tivesse sido um aninho antes teria apanhado Schwarz, Mozer, Rui Costa, Futre, Paulo Sousa, Rui Aguas, Vitor Paneira, João Pinto, Isaías, Iuran, Kulkov e outros. Ao chegar quando chegou, levou com Artur Jorge, King, Paredão, Marcelo, Clóvis, Pringle, Paulão, Nelo, Tavares e afins... E foi este Benfica, o pior Benfica da sua história que, sem nunca se queixar, Michel Preud'Homme salvou vezes sem conta de humilhações que poderiam ter sido muitíssimo maiores do que as que passámos. .
Este Preud'Homme, aos 40 anos e na véspera da final da Taça de Portugal onde o Benfica estaria presente, foi visto nesse sábado a passear sozinho no Estádio e pelas imediações do Jamor à mesma hora a que o jogo se disputaria no dia seguinte. Alguém o encontrou e perguntou-lhe o que andava ali a fazer, que o jogo era só amanhã. Resposta do Belga: "Vim preparar-me, sentir o ambiente e a relva, e principalmente avaliar o posicionamento do sol à hora do jogo." Mais palavras para quê Senhor Preud'Homme, um profissional de corpo inteiro! Deixou saudades!
Nos últimos anos, esse jogador emblemático foi para mim Pablo Aimar.... Foi um achado de Rui Costa, que chegou à Luz eventualmente porque quem vendeu achava que ele estava acabado. Bem se devem ter arrependido. E depois de um trabalho excecional do departamento médico do Benfica, eis que Aimar renasceu. Na primeira época faz 29 jogos, na segunda faz 40, na terceira 45, e à quarta arrancou numa forma fantástica parecendo um miúdo em inicio de carreira. À quinta então, o ocaso, as lesões voltaram a tomar conta de si, e uma hipotética transferência em Dezembro não concretizada, parece ter criado um imbróglio/divórcio com o treinador que nunca terá sido muito bem explicado.
Mas em suma, um jogador talentoso, humilde, respeitado no mundo inteiro, alguém que só por si valia o bilhete do jogo. Um senhor este Aimar, um predestinado, um daqueles que até poderia ter complexos de altivez, mas que sempre falou do Benfica com respeito e admiração, e desde o primeiro minuto percebeu a sua grandeza.
Ao contrário de Preud'Homme, Aimar teve sorte oposta e jogou no provavelmente melhor Benfica dos últimos 20 anos, tendo a seu lado jogadores que, nas suas próprias palavras, o motivavam e espicaçavam na sua ambição.
Como disse, e isto é opinião pessoal, acho que o episódio da hipotética transferência para a Arábia Saudita em Dezembro, terá causado um certo mau estar entre o Mágico 10 e Jorge Jesus. A partir daí, Aimar passou a ser uma terceira escolha, e as lesões não explicam tudo.
E tenho pena, porque o Argentino merecia uma outra despedida, no relvado, perante todos aqueles que durante cinco anos puderam apreciar o seu futebol e a sua enorme grandeza enquanto homem, e também, porque não, com os títulos que a sua classe merecia, com a participação na Final da Liga Europa, onde me pareceu que ia entrar em campo, não tivesse sido a lesão de Garay a queimar a última substituição e a matar talvez o seu último grande sonho enquanto profissional de futebol ao mais alto nível.
Ainda assim, excelentes as palavras do mago, do Presidente e de Rui Costa na hora da despedida. Que volte um dia, é o meu desejo. Um homem com muito para ensinar aos mais novos. Se há alguém que a miudagem vai ouvir, Aimar é seguramente um deles, uma enciclopédia do futebol e de um Benfica com valores.
Quando se fala em apostar nas escolas do clube, e se critica os estrangeiros que chegam porque não sentem a camisola, é bom lembrar que há sempre excepções, e de ambos os lados. Se comparar Preud´Homme e Pablo Aimar ao Hugo Leal, ao Edgar, ao Pepa, ao Rui Baião, ao Maniche e a alguns outros, eu sei imediatamente quem são os benfiquistas e quem não são. Sim, talvez o belga e o argentino não tenham nascido benfiquistas mas, estes, ao contrário dos outros, serão benfiquistas para toda a vida, com o seu nome gravado a letras de ouro na história deste glorioso clube.
Post a Comment