Publicação: 27-10-2008 (perfeitamente actual)
O bom Jesus de Braga
Porque é que sempre que se fala em mudanças de treinador nos grandes clubes portugueses nunca se fala naquele que é provavelmente o melhor técnico nacional da actualidade? Refiro-me a Jorge Jesus. Será pelo seu cabelo ser demasiado branco? Pelos seus fatos não terem a chancela dos grandes costureiros? Serão os seus gestos no banco demasiado bruscos? Ou será o seu pisar de relva que incomoda as altas sapatarias de marca?
Paulo Garcia, Jornalista
Curiosa esta apetência (ou será doença?) que se instalou no luso futebol/fashion, colocando "modelos" nos bancos de suplentes a fazerem de treinadores e arrastando os homens que percebem de futebol para a bancada (ou para próximo dela). Mais do que perigoso, é muito estranho!
Para aqueles que perdem um pouco do seu tempo a ler estes meus espaços, gostaria de deixar claro que não tenho qualquer relação pessoal com Jorge Jesus. Não tenho o seu número de telemóvel, falei com ele duas vezes se tanto e sempre em tom próprio de quem, não se conhecendo, tem de manter uma certa distância na abordagem, como aliás, deveriam ser sempre as relações entre os jornalistas e o seu meio profissional (que obriga à crítica independente, distanciada, incómoda e por isso passível de mal-entendidos).
A minha admiração pessoal e profissional pelo actual treinador do Sp. de Braga não se construiu à mesa de nenhum restaurante, nunca estive em sua casa, trato-o por você em vez do perigoso e muito utilizado "tu". Nunca passámos férias juntos e, que eu me lembre, nunca mergulhámos na mesma piscina, o que neste caso até se poderia transformar numa feliz coincidência porque, olhando Jorge Jesus da bancada ou através da televisão, fico com a ideia de alguém que, tal como eu, está mais talhado para gostar das piscinas municipais e de parques de campismo do que dos grandes salões de veraneio (de preferência algarvios) que alguns dos seus camaradas treinadores (saídos das grandes faculdades e professorados até à medula) utilizam até à exaustão.
Meu caro Jesus, permita-me que o trate assim, você dá todo o ar de, como bom alfacinha, privilegiar uma boa sardinhada assada em detrimento de uma lagosta suada... e de preferir abastecer-se nas merceariazinhas do seu bairro em vez de desfilar nas grandes montras comerciais...
Como pessoa que construiu a vida a partir de origens humildes, teve de trabalhar muito, subindo degrau a degrau para uma carreira para muitos impensável.
Você não teve dinheiro para cursar algumas maneiras civilizadas que alguns dos seus anelados colegas professam.
Eles não coçam a orelha porque parece mal. Não despenteiam o cabelo porque está carregado de gel e, regra geral, pintado para não se verem as brancas... Eles não dão pontapés nas garrafas de água porque estragam o verniz dos sapatos, zelosamente engraxados durante as últimas 48 horas. Eles não atiram com o casaco e a gravata para o chão porque o fornecedor dos fatos oficiais jura que não lhes volta a emprestar nenhum... E também não choram como você nas conferências de imprensa, porque lhes estraga a maquilhagem nos flash's televisivos...
Receio, meu caro Jorge, que não lhe chegue, de facto, ser o melhor treinador português da actualidade - por ser aquele que melhor lê o jogo no banco, que mais e melhor trabalha semanalmente aquilo a que os seus distintos colegas chamam pomposamente de transições defensivas e de ataque, e de meio-campo, e mais milhentas transições que a sua mente inventa, etc, etc... Não lhe chega possuir o dom de transmitir aos seus jogadores que a sua ambição e competência são legítimas porque partem de uma base de qualidade genuína, que não se aprende nos computadores de uma qualquer faculdade, e que não são fabricadas por nenhuma assessoria paga a peso de ouro, nem por nenhum grupo de jornalistas amigalhaços!
Meu caro Jorge, cheira-me que se não modernizar os gestos e as maneiras, se não optar por lentes de contacto (azuis de preferência), se não for capaz de olhar para as câmaras de televisão privilegiando o seu melhor lado facial, a alta indústria do futebol não o leve tão a sério como você indiscutivelmente merece.
Porque você é, neste momento, o melhor treinador português a trabalhar na Primeira Liga.
Já tinha percebido isso, ou ainda não?
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