JOÃO GOBERN É INGÉNUO OU EXCESSIVAMENTE EDUCADO?
COMENTÁRIO SOBRE O COMENTÁRIO
João Gobern é no panorama do comentário desportivo português um caso à parte. Vê-se que é uma pessoa bem formada, com grande consciência cívica, educado nas suas críticas e moderado nos seus aplausos. Talvez por isso tenha sido banido do comentário crítico desportivo da RTP. Um operador de câmara apanhou-o a fazer um gesto de regozijo por o Benfica ter marcado um golo ao Braga, quase no fim do jogo, que lhe assegurava a vitória numa partida que tinha sido muito difícil.
O realizador não teve qualquer problema em pôr as imagens no ar e a RTP hipocritamente despediu-o como comentador.
Se a RTP, nomeadamente a RTP Porto, pusesse no ar os aplausos que os seus “independentes jornalistas” desportivos fazem quando o Porto marca um golo, nem seria necessário fazer a tal remodelação de que fala o Relvas. Já tinham sido todos despedidos. Mas como as imagens de João Gobern vieram para o domínio publico, a “ética” desportiva da RTP impôs o seu despedimento. A mesma “ética” que os impede de parar as imagens para que se possa medir bem o off side de Moutinho contra o Málaga ou a mesma “ética” que os impele a passar as imagens em câmara lenta sempre que convém distorcer a realidade, imagens que às vezes nem sequer passaram à velocidade normal.
Se houvesse ética na RTP, a primeira coisa que a sua administração deveria fazer era acabar imediatamente com os programas desportivos comentados por adeptos dos clubes ou de pessoas que estão a soldo do clube que representam. Como aqui tantas vezes se tem dito, são programas anti-futebol, estupidificantes e que só propagam no país o atraso mental. E deveria manter programas desportivos de qualidade, compostos por comentadores independentes e com a presença de um árbitro na análise da jornada do fim de semana e das jornadas europeias. Com uma condição: todos os comentadores, bem como o próprio árbitro, teriam de declarar publicamente as suas simpatias clubistas. Quem não declarasse ou fizesse batota, do género o meu clube é a selecção nacional ou a Académica, não poderia participar. Só assim se elevaria o nível do comentário desportivo e se atribuiria alguma dignidade ao futebol enquanto desporto para ser visto.
Tudo isto a propósito de João Gobern participar num programa desportivo para o qual não está manifestamente talhado e que jamais conseguirá morigerar com comentários sérios porque não está a tratar com pessoas como ele. Está a tratar com pessoas que frequentemente estão de má fé e sempre imbuídas do maior fanatismo. Se vivessem um pouquinho mais a sul, onde o “desporto” é outro, toda a gente sabe onde eles militariam e o que fariam, caso dedicassem a essa outra causa o mesmo fanatismo e o mesmo fundamentalismo com que defendem o seu clube.
Se o João Gobern pensa que pode modificar o programa em que participa, então ele está a ser um grande ingénuo. Se actua como actua apenas por educação – e não há nenhuma razão para supor que essa não seja a verdadeira causa do seu comportamento – então deve retirar-se.
Ele, por muito que isso custe à sua integridade moral, não pode estar num programa daqueles para elogiar o adversário diga o elogio respeito a jogadores, a dirigentes, a treinadores ou o que quer que seja, nem para dar razão aos seus adversários seja qual for o assunto. Se isso afronta os seus princípios que ao menos fique calado quando os outros abordam esses temas ou lhe solicitam que o faça. Que João Gobern analise com frieza o modo como eles actuam contra ele: sempre que um ou outro dão razão a alguma coisa relacionada com o clube que JG defende, é para logo a seguir poderem desferir com mais intensidade e, pensam eles, credibilidade, um ataque feroz contra esse mesmo clube.
Isto não quer dizer que o clube de JG esteja bem representado nos programas homólogos da concorrência. Não está. Entre a exaltação permanente e o radicalismo insustentável e a sonsice de quem não defende coisa alguma e só lá está por razões que nada tem a ver com o Benfica há um imenso caminho que poderia ser percorrido.
Mas o ideal, o ideal mesmo, era que esses programas acabassem!
Ricardo Viana de Lima
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