O homem é capaz de tudo, assim as condições certas o proporcionem

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الأحد، 27 يناير 2013

O homem é capaz de tudo, assim as condições certas o proporcionem


Foi com grande interesse que assisti às duas horas de entrevista de Lance Armstrong à Oprah. Entrevista fabulosa. Mas previsível. Mais um capítulo a somar ao circo em que o folhetim Lance Armstrong se tornou.

Lance tinha a lição bem estudada e as suas respostas foram certeiras e apontaram sempre ao coração daqueles que o julgam. Lance sabe como ninguém que no seu caminho para uma possível redenção, não tem outro remédio senão assumir e aceitar todo o mal de que o acusam, quase até auto mutilar-se. Mas o que eu duvido é que Lance tenha dito aquilo que sente de verdade. Duvido que ele se sinta realmente como um criminoso, uma fraude ou quase como um pedaço de merda como se apelidou a si próprio tantas vezes ao longo da entrevista. Lance sabe que venceu dopado num pelotão que também corria dopado, que vantagem foi essa afinal? Em boa verdade: que crime cometeu Lance Armstrong?

Lance Armstrong merece ser punido? De acordo. Merece ser despojado dos Tours que conquistou com recurso assumido a substâncias proibidas? Evidentemente. Mas não destruamos o homem, não queiramos fazer do seu “crime” o resultado de uma mente doente ou algo maquiavélico que ultrapassa em gravidade os “crimes” cometidos pelo comum dos mortais.

Pois se o “crime” afinal é esse, - recorrer à batota para vencer a qualquer preço – o que dizer de Maradona, que num jogo de campeonato do mundo marca um golo com a mão e celebra com o público como se nada fosse? Ou que dizer de um qualquer jogador de futebol que entrando na área se atira para o chão tentando ganhar um penalti que não existe? Ou que dizer de um sete vezes campeão mundial de Fórmula 1 que imobiliza propositadamente o seu carro na última curva do Grande Prémio do Mónaco para conquistar uma pole-position? O que dizer de um estudante que na sala de aula copia permanentemente pelo colega do lado conquistando notas que não merece? Ou que dizer do recém licenciado que vira chefe de secção porque o tio teve um caso amoroso com a dona da empresa? Serão esse “crimes” assim tão diferentes? O “crime” de defendermos os “nossos” e olharmos permanentemente para os nossos interesses, ainda que à custa de algumas injustiças que vamos plantando no resto do mundo?

Criminosos somos então todos aqueles que de diversas formas usam da batota para tirar vantagem em qualquer situação que nos ajude a subir na vida. Criminosos são todos aqueles que sendo apologistas da ética e das boas maneiras, percebem ainda assim que a ética é enrabada todos os dias pela esperteza saloia, e que a fronteira que separa o ser esperto do ser otário é uma linha muito ténue. Criminosos são todos aqueles que na ânsia de sobreviver, percebem desde cedo que vivem numa sociedade que só guarda memória dos vencedores, e que a grande maioria é varrida para debaixo do tapete.

O que torna este caso Armstrong diferente de todos os outros é a sua dimensão. Mas a dimensão do acontecimento não foi algo que Armstrong tenha escolhido. A dimensão deveria ser totalmente irrelevante neste caso. Porque o crime de Armstrong não foi maior que o do Zé do talho que também corria dopado mas acabou o Tour de França na cauda do pelotão e nunca ninguém fez caso dele. O crime cometido, se assim se pode chamar, foi exatamente o mesmo. O que aqui é diferente é a relevância e o mediatismo que se dá a cada um dos casos. Mas o mediatismo não se escolheu. Aconteceu. Juntamente com os salários monstruosos, as capas de revistas, os patrocínios milionários e a vida vivida sob as luzes da ribalta.

Outros dirão que o crime cometido por Lance Armstrong foi acusar uma série de pessoas, chamá-los de mentirosos, colocá-los em tribunal, descredibilizá-los e até arruinar algumas vidas, quando sempre soube que aqueles que o acusavam diziam a verdade. Mas mais uma vez não sei no que é que isso torna Lance Armstrong assim tão diferente da maioria de nós.  

Faz parte da condição humana varrer tudo à nossa frente quando nos sentimos encostados à parede ou quando nos tentam enjaular. Lance não decidiu atacar ninguém nem lançar a primeira pedra. Lance escolheu sim defender-se de quem o atacava a si e ameaçava revelar ao mundo a sua mentira. Comportamento condenável? Evidentemente. Ainda assim, humano e compreensível.

Aqui há uns anos, tive na mão três dias antes a prova específica de matemática que tinha um peso de 50% na entrada para a Universidade. Tive azar, porque era o exame de segunda época e eu já tinha realizado a prova na primeira época. Mas garanto já aqui, teria mesmo aproveitado o “brinde” e não teria pestanejado de hesitação se tivesse roubado lugar a alguém que merecesse o lugar bem mais que eu numa das melhores Universidades do país.

Essa teria sido uma das grandes “mentiras” da minha vida, tal como veio a ser uma grande mentira na vida de alguns amigos meus que não desperdiçaram a ocasião. E para defender algumas das mentiras da minha vida, não tenho vergonha de reconhecer que por vezes fui injusto e tive de revelar facetas do meu caráter de que não me orgulho. A mentira de lance não deixa de ser uma mentira, é apenas  uma mentira à escala planetária.

Alguém disse um dia algo em que sinceramente me revejo, que só há dois sentimentos puros no mundo: o amor e o medo, que não vivem um sem o outro, e tudo o resto são derivados destes. Concordo. Porque o amor é aquilo que nos faz entregar às coisas. Mas o amor despoleta irremediavelmente o medo, o medo de se perder aquilo que se conquistou e que se ama. Como sabemos, quer o amor quer o medo podem dar lugar a comportamentos totalmente irracionais.

O que a história de Lance Armstrong mostrou ao mundo é a fragilidade do ser humano. Pessoalmente, sempre acreditei que todos fazemos parte do circo e que todos somos responsáveis por uma pequenina parte do que de bom e de mau se passa à nossa volta. Quer seja através das nossas palavras, do nosso exemplo, do pouco ou muito de nós que se reflecte naqueles com quem convivemos. Todos nós carregamos dentro de nós um anjo, um diabo, um artista, um médico, um poeta, um visionário, um polícia, um bombeiro, um criminoso, um vilão, um assassino, um advogado, um juiz, um padre, um professor, um filósofo, um político, um romântico, um moralista, um pacifista ou legislador. É o ambiente em que nascemos, o contexto em que crescemos e as circunstâncias que se nos deparam ao longo da vida, que definem que partes de nós se tornam ou não visíveis.

O homem é capaz de tudo, assim as condições certas o proporcionem.

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