Se há frase da qual não gosto nada é aquela do “No meu tempo é que era...” Não gosto porque acho presunçoso da parte de quem a diz, porque não percebe que limita e castra quem a ouve, como se ter vivido certas épocas implique algum mérito pessoal ou reflita algo de brilhante que há em nós.
Eu por exemplo sempre ouvi falar do Borges Coutinho, do Fernando Martins e do Eusébio mas, na verdade não são do “meu tempo”, e até mesmo de Eusébio, o que conheço é a lenda e as melhores jogadas que volta e meia passam na televisão. Não tenho dúvidas que para os mais velhos esses é que eram os “tempos”, os “tempos” do Benfica na sua maior dimensão.
Mas o meu “tempo” é o final dos anos 80 e década de 90, esses são os “tempos” que recordo, sabendo de antemão que alguns dirão que o meu tempo marca no fundo o início do declínio do clube do meu coração e que nunca conheci o Benfica no seu máximo esplendor.
Recordo com saudade as manhãs em que fazia gazeta à escola, enfiava-me no comboio da Linha de Sintra e ia até à Luz. Adorava quando os jogadores saíam do balneário em carne e osso e faziam a caminhada até ao campo número 3 por entre o povo que os interpelava.
Adorava o som daquelas caminhadas por entre os craques, as conversas curtas e os pedidos de autógrafos, por entre o som dos pítons de alumínio das chuteiras dos jogadores a bater nas pedras da calçada.
Havia alguns adeptos que ali cirandavam todos os dias, lembro-me de um Sr. Fonseca que conhecia as histórias todas.
O Fonseca já era velho e vestia sempre o mesmo fato, mas aquele era o templo onde emanava os últimos rugidos da alma, era sempre o primeiro a chegar e o último a sair, só pelo prazer de trocar meia dúzia de palavras e apertar a mão aos jogadores por entre a porta de vidro debaixo da enorme águia de bronze no antigo Estádio da Luz.
Lembro-me do já falecido Artur Semedo, o adepto incondicional, o “luva preta” que dizia sempre orgulhoso que a religião dele era o Benfica, em lágrimas no verão quente de 93 à porta da Luz, quando Sousa Cintra anunciou o caos e Paulo Sousa e Pacheco se mudaram para Alvalade.
Lembro-me desse mesmo Verão quente, do nosso templo cheio de adeptos anónimos em vigília e prontos para tudo, como se tivessem ouvido na rádio que estava eminente um ataque de Bin Laden às velhinhas Torres da Luz.
Lembro-me da chegada do Grande Jorge de Brito, da sua chegada apoteótica com João Pinto a seu lado, a alma que esse resgate feito pelo já debilitado presidente (mas que respirava Benfica por todos os poros) deu a todos os Benfiquistas e ao Benfica, a “raiva” que despoletou em cada um de nós e nos fez transcender, vindo depois a conquistar o campeonato seguinte numa época dificílima em que o dinheiro era escasso, já sem Paulo Futre, sem Paulo Sousa nem Pacheco, mas com Toni e com João Pinto a marcar 3 em Alvalade, com os “traidores desertores” a jogar de verde e o terrorista Sousa Cintra e engolir em seco na bancada.
Esses foram pois os “meus tempos”, os “tempos” do Benfica clube do povo em que todos se sentiam como parte de algo. Alguns, mais novos que eu, dirão um dia a outros mais novos que eles, que “no tempo deles é que era”, a grandíssima primeira década de 2000, do Luís Filipe Vieira que salvou o clube das trevas, do Mago Aimar, de alguns treinos à porta aberta na Academia do Seixal e da venda histórica de um belga que nos fez derrotar finalmente o FCP no campeonato dos euros. Cada um constrói as suas lendas.
A acesa Assembleia Geral da última quinta-feira levou-me pois de novo ao passado, fez-me recordar o Benfica do “meu tempo”. Sim, porque esses, apesar de tudo também foram tempos difíceis, também foram tempos de contestação, de diversidade de opiniões, de Assembleias Gerais acesas e confrontos eleitorais históricos.
De alguma forma LFV conseguiu no seu “reinado” silenciar essa oposição, e aqui me confesso, aplaudi o feito porque para mim essa oposição não passava de uma “cambada” de interesseiros, com muita vontade de aparecer, com muito para dizer, com muito para destabilizar mas muito pouco para oferecer.
Mas tal como LFV, talvez também eu tenha cometido o erro de não perceber que a discussão faz parte da vida e especialmente de tudo aquilo que se vive com paixão, e que para “silenciar” essa oposição só existe um antídoto válido, VITÓRIAS, vitórias essas que infelizmente para todos nós têm sido bem poucas, não podendo por isso LFV reclamar para si esse estatuto que o poria a salvo das criticas.
E por isso, chegados hoje a vésperas de mais um período eleitoral, começo de facto a sentir necessidade de dizer que “no meu tempo é que era”. Porque o que vejo hoje à volta do meu clube é um imenso vazio. Porque ao Benfica de LFV falta de facto discussão.
Luís Filipe Vieira não pode exigir de facto mais um cheque em branco aos benfiquistas, sem ter de prestar contas nem responder a perguntas de ninguém, depois de falhar claramente no mandato que anunciou como o do sucesso desportivo, e para mais depois de vender Javi Garcia e Witsel no último dia do mercado para equilibrar contas, uma espécie de mensagem para Jorge Jesus de “Agora desemerda-te”, adivinhando já todos nós mais uma época em que voltaremos a ser salão de festas para os eternos rivais.
LFV não pode mais decidir sozinho as grandes questões do Benfica sob o silêncio que o seu estatuto legitima, ignorando as questões que muitos têm para lhe fazer, e diga-se, totalmente legítimas, de gente que enche o estádio e paga quotas com sacrifício, e que tanto tem direito aos elogios como às críticas.
Não vou ser eu a dizer aqui se LFV merece ou não continuar a ser presidente do Benfica. Essa tarefa será tomada por cada sócio em consciência, é preciso é que LFV dê aos sócios as respostas que exigem para poderem votar em consciência. É preciso mais do que discursos demagogos de 50 votos recitados nas Casas do Clube onde se garantem eleições! No términos de mais um mandato de LFV, que temos nós para festejar? Títulos? Saúde financeira? Independência em relação aos poderes instalados? Como se pode neste contexto, exigir apenas e só mais um cheque em branco? Para fazer o quê? Para nos levar para onde?
Como se pode neste contexto ignorar a história do Benfica, uma história marcada pelo confronto e a diversidade de opinião, e exigir união como Rui Gomes da Silva exigiu a todos neste blogue, união como se nem sequer existe um programa ou um rumo para discutir, se ninguém sabe sequer, ao fim de tantos meses, que merda LFV pretende fazer em relação à negociação dos direitos televisivos com a Olivedesportos? Está à espera da reeleição para anunciar o que já todos sabemos?
Se LFV não percebeu ainda os sinais por detrás da fumarada que ficou da última Assembleia Geral, aqui fica o que penso: É que, das duas uma, ou LFV é reeleito no próximo mês de Outubro, apresentando um programa e derrotando uma oposição, seja ela quem for, que terá forçosamente de aparecer, indo à televisão debater o clube, e não fazer como fez na última reeleição, na qual se recusou a debater com Bruno de Carvalho porque, segundo o presidente, a obra feita falava por ele... Ou então Sr Luís Filipe Vieira, adivinham-se tempos difíceis, porque o Senhor estará sentando sobre um barril de pólvora prestes a explodir à primeira derrota.
A ironia dos tempos a que chegámos, é que neste momento e no atual contexto, e depois de algum mérito que terá tido em ter conseguido secar tudo à sua volta, talvez o Senhor precise mesmo de oposição para legitimar o seu poder. Para bem da democracia e para continuar a ser fiel à nossa história, e para que também as gerações mais novas possam dizer um dia: “No meu tempo o Benfica ainda era do povo.”
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