Excertos de uma entrevista dada ao Jornal I , em Julho de 2010.
A diferença da atitude para hoje. O Isaías não procurou desculpas para o que não venceu. Reconheceu tudo o que o Benfica tinha de enfrentar, mas reconheceu também que tinham de fazer tudo o que estava ao seu alcance para vencer o mais que podiam.
Hoje, procuram-se sempre motivos em terceiros para não vencer. A responsabilidade nunca está do nosso lado.
"Quem é que o chamou para o Benfica?
Quem me chamou? Fui eu! Os jogos que fiz pelo Rio Ave e pelo Boavista, ué. Na época, o Benfica era treinado pelo Eriksson e, pronto, daí houve interesse e graças a Deus tomei a opção certa e fiz lá cinco anos. E não fiz mais porque algumas pessoas de lá não desejaram que eu fizesse mais.
Já lá vamos. Foi muito feliz na Luz?
Eheheh. O balneário era forte, uma família em harmonia. Ao longo dos cinco anos que lá estive conseguimos ganhar dois campeonatos. Mesmo numa época conturbada como aquela.
Como assim?
Oi? Então você não ouviu falar no Apito Dourado rapaz?
Ouvi, mas queria que fosse específico.
Os jogos eram muito difíceis. Tínhamos de lidar com os adversários e com outras coisas mais. E nós ganhámos duas ligas em cinco campeonatos. Tínhamos uma família coesa. Que coisas eram essas? Não preciso de dizer, toda a gente sabe. Sim, os túneis, mas algumas coisas mais. Houve gente que já pagou pelo fez.
Fez 178 jogos e 71 golos pelo Benfica.
Puxa. Olha, tenho DVD com os meus golos todos do Benfica.
E revê esses momentos quantas vezes?
Oi? Ah, vejo com os meus filhos em casa para recordar os bons tempos. Por exemplo, aquele contra o Leverkusen [2 de Março de 1994 para a Taça das Taças] Estávamos a perder por um e eu faço um golo de canela quase dentro da baliza aos 90 que valeu a eliminatória porque depois fomos empatar de quatro [16 de Março de 1994]
O Yuran e o Kulkov estiveram em grande nessa eliminatória mas eram criticados. Eles eram assim tão maus?
Olha, para dizer a verdade, eles não eram nada fáceis, vinham de uma cultura diferente. Mas dentro do campo eram pessoas maravilhosas. Meu amigo, vou-te dizer uma coisa, nunca joguei com um avançado que conseguisse abrir tantos espaços como o Yuran. O problema é que levava muita pantufada, os árbitros não viam isso e ele então perdia a cabeça.
Quem eram os seus amigos?
O William, o Neno, o Paneira, o Veloso, o Mozer, o Ricardo e o Paulo Sousa.
E depois o Paulo Sousa saiu. E o Pacheco também, naquele Verão Quente.
Olha, rapaz, o jogador é mercadoria, já não se pode apegar a um clube porque no dia seguinte pode estar noutro lado.
E o Isaías?
Também tive uma proposta do Sporting, mas decidi ficar na Luz.
Há alguma história que queira contar sobre o 6-3 em Alvalade?
Ahhhh.... Bom, nós sabíamos que tínhamos de ganhar mas pouca gente acreditava na vitória. Nem o Toni nem o Jesualdo. Na manhã do dia do jogo, o Jesualdo veio falar comigo e disse-me que estavam indecisos entre mim e o Rui Costa. Eu disse: "Temos de ganhar e para isso há que entrar com tudo. Eu sou um jogador mais fogoso e do outro lado há atletas pesados e fortes e posso ter mais facilidade em chegar ao golo." Boa decisão. O Isaías deu dois passes para o João Pinto, o João Pinto deu dois passes para o Isaías, o Isaías marcou dois e o João Pinto outros dois.
Só dois?
Dois que nada! Ele marcou três golos e o Hélder fez outro. E ganhámos o jogo.
Porque é que o Benfica mudou tanto no ano seguinte?
[Suspiro] Olha, nem sei o que dizer, não sei o que se passou pelas cabeças que comandavam o Benfica na época. Olha, encontrava pessoas na rua que me diziam "Já não sou benfiquista" porque me tinham mandado embora. Ficava triste mas ao mesmo tempo feliz porque via o carinho.
Quando é que se sentiu a mais?
Era a questão do contrato, da renovação por mais um ano. E também já andava chateado porque tinha sido o melhor marcador mesmo não sendo titular e ia ser dispensado por um técnico que estava a chegar. Quando não confiam em você o que é que se faz?
Pediu satisfações à direcção?
Nunca discuti com ninguém. Só com adversários ou com o preparador físico que dizia que o treino tinha acabado e eu queria continuar a trabalhar mais.
E de onde vinha essa força? O Isaías chutava à baliza do meio da rua...
[interrompe] De onde mesmo?
Lá de longe [sotaque brasileiro]...
[outra interrupção] Ah, entendi...
... E o remate ou dava golo ou ia para o terceiro anel.
Pois, eu ficava muito chateado com a crítica em relação aos meus remates. Fazia a minha estatística - e presta atenção que você me vai dar razão, ok? - e eu, que não era avançado, chutava mais do que todos os avançados juntos numa jornada. E isso não é bom? Se você chuta a probabilidade de fazer golo é maior, ou não é?
Dito dessa forma é.
'Tá vendo? Esses caras não sabiam o que era o futebol. Diziam que eu chutava para o terceiro, para o quarto anel e depois entrava uma lá dentro. Também escreviam que em dez remates metia um. Pô. Se todos chutassem como eu - dez remates e sempre uma bola a entrar - imagina só os golos que não se fariam. As pessoas inventavam muito! Eu via essas coisas como uma piadinha sem graça. Outro exemplo, e você me vai dar razão outra vez.
Ok, chute.
Estávamos a perder com o Farense [6 de Novembro de 1994] por um a zero e eu já tinha feito do Peter Rufai o guarda-redes da jornada: tinha chutado para grandes defesas dele e também para fora. E aos 87 minutos, o João Pinto tocou a bola e eu botei lá na gaveta. Depois, aos 89 minutos, o João Pinto sofreu penálti e o Abel Xavier bateu para o golo. Me criticaram durante 87 minutos mas depois já era o maior. E se tivesse que chutar dez vezes naqueles quatro minutos, chutava. Diziam que eu chutava lá para os anéis mas eu botei muita bola na gaveta!"
Já lá vamos. Foi muito feliz na Luz?
Eheheh. O balneário era forte, uma família em harmonia. Ao longo dos cinco anos que lá estive conseguimos ganhar dois campeonatos. Mesmo numa época conturbada como aquela.
Como assim?
Oi? Então você não ouviu falar no Apito Dourado rapaz?
Ouvi, mas queria que fosse específico.
Os jogos eram muito difíceis. Tínhamos de lidar com os adversários e com outras coisas mais. E nós ganhámos duas ligas em cinco campeonatos. Tínhamos uma família coesa. Que coisas eram essas? Não preciso de dizer, toda a gente sabe. Sim, os túneis, mas algumas coisas mais. Houve gente que já pagou pelo fez.
Fez 178 jogos e 71 golos pelo Benfica.
Puxa. Olha, tenho DVD com os meus golos todos do Benfica.
E revê esses momentos quantas vezes?
Oi? Ah, vejo com os meus filhos em casa para recordar os bons tempos. Por exemplo, aquele contra o Leverkusen [2 de Março de 1994 para a Taça das Taças] Estávamos a perder por um e eu faço um golo de canela quase dentro da baliza aos 90 que valeu a eliminatória porque depois fomos empatar de quatro [16 de Março de 1994]
O Yuran e o Kulkov estiveram em grande nessa eliminatória mas eram criticados. Eles eram assim tão maus?
Olha, para dizer a verdade, eles não eram nada fáceis, vinham de uma cultura diferente. Mas dentro do campo eram pessoas maravilhosas. Meu amigo, vou-te dizer uma coisa, nunca joguei com um avançado que conseguisse abrir tantos espaços como o Yuran. O problema é que levava muita pantufada, os árbitros não viam isso e ele então perdia a cabeça.
Quem eram os seus amigos?
O William, o Neno, o Paneira, o Veloso, o Mozer, o Ricardo e o Paulo Sousa.
E depois o Paulo Sousa saiu. E o Pacheco também, naquele Verão Quente.
Olha, rapaz, o jogador é mercadoria, já não se pode apegar a um clube porque no dia seguinte pode estar noutro lado.
E o Isaías?
Também tive uma proposta do Sporting, mas decidi ficar na Luz.
Há alguma história que queira contar sobre o 6-3 em Alvalade?
Ahhhh.... Bom, nós sabíamos que tínhamos de ganhar mas pouca gente acreditava na vitória. Nem o Toni nem o Jesualdo. Na manhã do dia do jogo, o Jesualdo veio falar comigo e disse-me que estavam indecisos entre mim e o Rui Costa. Eu disse: "Temos de ganhar e para isso há que entrar com tudo. Eu sou um jogador mais fogoso e do outro lado há atletas pesados e fortes e posso ter mais facilidade em chegar ao golo." Boa decisão. O Isaías deu dois passes para o João Pinto, o João Pinto deu dois passes para o Isaías, o Isaías marcou dois e o João Pinto outros dois.
Só dois?
Dois que nada! Ele marcou três golos e o Hélder fez outro. E ganhámos o jogo.
Porque é que o Benfica mudou tanto no ano seguinte?
[Suspiro] Olha, nem sei o que dizer, não sei o que se passou pelas cabeças que comandavam o Benfica na época. Olha, encontrava pessoas na rua que me diziam "Já não sou benfiquista" porque me tinham mandado embora. Ficava triste mas ao mesmo tempo feliz porque via o carinho.
Quando é que se sentiu a mais?
Era a questão do contrato, da renovação por mais um ano. E também já andava chateado porque tinha sido o melhor marcador mesmo não sendo titular e ia ser dispensado por um técnico que estava a chegar. Quando não confiam em você o que é que se faz?
Pediu satisfações à direcção?
Nunca discuti com ninguém. Só com adversários ou com o preparador físico que dizia que o treino tinha acabado e eu queria continuar a trabalhar mais.
E de onde vinha essa força? O Isaías chutava à baliza do meio da rua...
[interrompe] De onde mesmo?
Lá de longe [sotaque brasileiro]...
[outra interrupção] Ah, entendi...
... E o remate ou dava golo ou ia para o terceiro anel.
Pois, eu ficava muito chateado com a crítica em relação aos meus remates. Fazia a minha estatística - e presta atenção que você me vai dar razão, ok? - e eu, que não era avançado, chutava mais do que todos os avançados juntos numa jornada. E isso não é bom? Se você chuta a probabilidade de fazer golo é maior, ou não é?
Dito dessa forma é.
'Tá vendo? Esses caras não sabiam o que era o futebol. Diziam que eu chutava para o terceiro, para o quarto anel e depois entrava uma lá dentro. Também escreviam que em dez remates metia um. Pô. Se todos chutassem como eu - dez remates e sempre uma bola a entrar - imagina só os golos que não se fariam. As pessoas inventavam muito! Eu via essas coisas como uma piadinha sem graça. Outro exemplo, e você me vai dar razão outra vez.
Ok, chute.
Estávamos a perder com o Farense [6 de Novembro de 1994] por um a zero e eu já tinha feito do Peter Rufai o guarda-redes da jornada: tinha chutado para grandes defesas dele e também para fora. E aos 87 minutos, o João Pinto tocou a bola e eu botei lá na gaveta. Depois, aos 89 minutos, o João Pinto sofreu penálti e o Abel Xavier bateu para o golo. Me criticaram durante 87 minutos mas depois já era o maior. E se tivesse que chutar dez vezes naqueles quatro minutos, chutava. Diziam que eu chutava lá para os anéis mas eu botei muita bola na gaveta!"
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