Fernando Tavares, antigo vice-presidente do Benfica nos tempos de Vieira, assume a crítica contra o presidente e os atuais dirigentes que o aconselham mal. "Não há comunicação, há propaganda. Vive-se um período de 'venezualização'"
Fernando Tavares, antigo vice-presidente para as modalidades Fernando Tavares diz que não se conteve quando ouviu Rui Gomes da Silva a criticar José Veiga no programa 'O Dia Seguinte' e escreveu uma carta aberta. Afinal, garante, Gomes da Silva já procurara o apoio de Veiga quando pensou, um dia, poder fazer frente a Luís Filipe Vieira. "A direção é incoerente", acusa.
Nesta entrevista ao Expresso, o antigo vice-presidente para as modalidades mostra-se disponível para a oposição, lembra que é elegível dentro dos parâmetros do clube, e lança um nome para candidato: Bagão Félix.
Que análise faz aos comentários de Rui Gomes da Silva sobre José Veiga?
Foram comentários infelizes e que não mobilizam os benfiquistas para a verdadeira "batalha" que é preciso travar. José Veiga serviu o Benfica com paixão e ganhou. Preocupa-se com o Benfica tal como outros benfiquistas. Ser diferente não é ser inimigo. José Veiga não é inimigo do clube e se está permanentemente na mira dos correios da direção com ataques que aliás se repetem a outros benfiquistas incómodos, retira discernimento e energia para abordar os verdadeiros adversários do Benfica. Esta é a incoerência que governa, actualmente, o Benfica. É pena mas é nisto que a gestão do Benfica se transformou.
Em que falha a liderança de Vieira?
O que muitas vezes divide uma boa de uma má liderança é a escolha das pessoas. Eu diria que sobretudo falha na escolha das pessoas e esse factor é crítico numa liderança. Os seus principais conselheiros estão contaminados pela falta de competência e, mais grave, pela total ausência de benfiquismo. No Benfica actual, as decisões não são tomadas em função do benfiquismo das pessoas, são tomadas com base na defesa do lugar. Quanto piores forem as pessoas que o rodeiam, pior será a sua liderança. Por outro lado, Vieira não devia ter medo da história do Benfica. Por isso foi criada outra, com dez anos, criando nas pessoas o fantasma de que será Vieira ou o caos. E não é assim, a seguir a Vieira não virá o caos, virá o Benfica, o grande Benfica.
Disse nessa carta aberta que o primeiro mandato tinha sido desportivo e que este já não é por causa das pessoas que o roderaram. Que pessoas? E o que fizeram essas pessoas?
Repare na importância da escolha das pessoas. No primeiro mandato de Vieira, o Benfica foi capaz de ganhar mais, no futebol e nas modalidades, do que neste último, designado pelo próprio presidente como o mandato desportivo. E ganhou-se mais, investindo muito menos, incomparavelmente menos. Como foi possível? Com uma escolha acertada de pessoas, que pensavam Benfica, que sofriam pelo Benfica e que, em cada decisão, sobrepunham o seu benfiquismo a qualquer interesse pessoal. Pessoas como Domingos Soares Oliveira, Paulo Gonçalves e João Gabriel, para além de não serem benfiquistas, exercem uma má influência sobre o presidente. Na defesa de uma estratégia de poder atacam os verdadeiros benfiquistas e empurram o Benfica para estratégias erradas. Os resultados estão à vista. E, por agora, apenas os resultados desportivos, já que os financeiros, são uma calamidade de que os benfiquistas apenas se aperceberão mais tarde.
"Não sou candidato; sinto-me com capacidade para implementar um modelo de governação diferente"
Como vê a revisão dos estatutos promovida por Vieira quando foi eleito? Foi uma forma de "fechar" oportunidades a outros nomes?
Não tem outra explicação. Repare, os estatutos foram a peça final na estratégia de personalização de poder no clube. Neste momento, o Benfica não tem um presidente, eu diria que tem um "dono". Mas já agora, vale recordar uma frase célebre quando Rui Costa assumiu o cargo de diretor-desportivo, em que se disse que iria ser preparado para presidente do clube, no espaço de dois mandatos. Caricato é ter um clube que nos seus estatutos estabelece uma restrição de idade (43 anos) que o país não criou para eleger o seu Presidente da República.
Fernando Tavares seria candidato às eleições?
Não sou candidato. É verdade que uma decisão de candidatura é unipessoal, mas também é verdade que essa decisão depende sempre de outras pessoas e sobretudo de condições de governabilidade, em caso de eleição. Eu não tenho essas condições, embora, pessoalmente, me sinta com capacidade para implementar um modelo de governação diferente no Benfica. Sinto-me com capacidade de liderar um projecto, mas precisaria de condições que, presentemente, não tenho. Se um dia as reunir, não terei qualquer receio de assumir as minhas responsabilidades.
Tem-se reunido com João Carvalho na procura de arranjar um candidato?
Essa pergunta está à espera de uma resposta que possa indicar a existência de um movimento organizado de oposição a Luís Filipe Vieira. Que eu saiba, esse movimento não existe, ou melhor, é capaz de existir na cabeça de algumas pessoas dentro do Benfica. Mas a isso, não lhe chamo Movimento, chamo-lhe complexo. O doutor João Carvalho é um amigo e um dos distintos benfiquistas que se preocupa com o futuro do clube e que faz o favor de partilhar comigo as suas preocupações. Como eu partilho com ele, e outros benfiquistas, as minhas.
"O Benfica não tem comunicação. Tem propaganda. Vive um período de 'venezualização'"
Que nome tem? Bagão Félix?
Francamente, pela pessoa, pelo perfil que tem, pela capacidade que teria de aglutinar a família benfiquista, creio que o doutor Bagão Félix seria um extraordinário presidente do Benfica. Pertence a uma linhagem de presidentes que sempre ajudou a diferenciar o Benfica no contexto do desporto nacional. Presidentes como Borges Coutinho, Ferreira Queimado, Fernando Martins, João Santos e Jorge de Brito. Eu acho que o doutor Bagão Félix estaria nesta linha de grandes presidentes do Benfica e, creio, que nenhum benfiquista, recusaria um nome destes.. Eu vejo o doutor Bagão Félix como uma reserva moral do grande Benfica, do Benfica que eu gostaria de ver recuperado e do Benfica que muitos benfiquistas pretendem que seja restaurado.
Porque saiu do Benfica quando saiu? Que atritos teve com Vieira?
Servi o Benfica com empenho e dedicação. Tenho orgulho naquilo que construí. Em todas as decisões que tomei defendi os superiores interesses do Benfica. Sou uma pessoa de projetos e de convicções. Quando não acredito nos projetos e nas pessoas prefiro retirar-me.
Que críticas faz à comunicação e à gestão de Vieira?
O problema, hoje em dia, é que o Benfica não tem comunicação. Tem propaganda. A comunicação é um instrumento que o Benfica devia ter ao seu dispor para divulgar mais e melhor o clube, a sua história e os seus valores. Pelo contrário, o que existe é propaganda, muito centrada na pessoa do presidente e dos constantes louvores à sua obra. Digamos que a comunicação do Benfica vive um período de "venezuelização". Quanto à gestão diria que assenta numa estratégia errada. O Benfica tem uma estratégia de marca, ou seja, a marca resolve tudo. Tal como indicou Manuel Sérgio no triste e recente episódio a marca só se constrói ganhando. Ora o que o Benfica necessita é de uma estratégia de produto, ie focada no seu principal produto que é o futebol. A marca desenvolve-se a partir das vitórias desportivas e não ao contrário. Não é a fazer acordos com agências funerárias que a marca se desenvolve.
"Milagre financeiro? O milagre é o Benfica ainda conseguir pagar as suas contas"
Vieira diz que recuperou financeiramente o clube. Concorda?
O Benfica tem um passivo de 400 milhões de euros. Onde é que está o milagre disto? O milagre é o Benfica ainda conseguir pagar as suas contas. As pessoas ainda não perceberam que a situação actual do Benfica é muito preocupante. O que o Benfica precisa é de um milagre desportivo, que possa ajudar a resolver, no futuro, os graves problemas financeiros que afetam o clube. Mas para isso é necessário outro modelo de governo e de gestão.
Revê-se no movimento Por Ti Benfica, que pinta as paredes e critica na blogoesfera?
Revejo-me em pessoas que se preocupam com o futuro do Benfica, que não se resignam, que não se conformam e que n ão se deixam iludir mais pelas promessas ocas com que são bombardeados todos os dias. Se essas pessoas estão no Movimento A ou B, não sei, mas têm o meu respeito e a minha admiração. Porque, hoje em dia, não é fácil ser do contra, no Benfica, porque ser do contra é ser abutre. Mais uma vez, nada disto se compadece com a história democrática do Benfica. Este movimento em particular parece-me ter no seu código genético os valores do Benfica. São jovens que curiosamente viram poucas vezes o Benfica ganhar e que não se conformam com um Benfica perdedor. Ao contrário do que afirma Rui Gomes da Silva, não se deixam manietar ou controlar. Pensam pela sua cabeça e têm fortes convicções. Esta é a minha leitura.
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