Na véspera do clássico, alguns benfiquistas meus amigos, que encontro na rua, me mandam emails ou escrevem nos blogues, andam outra vez muito nervosos. Paira, nalguns espíritos mais débeis, a sombra do ano passado (o mau arranque do campeonato, pelo efeito combinado de um guarda-redes inseguro – Roberto - e de duas arbitragens, pelo contrário, muito seguras do que estavam a fazer - Cosme Machado e Olegário Benquerença); e paira, sobretudo, a memória dos últimos jogos, em que, depois de uma recuperação fantástica, sobretudo desde a entrada de Sálvio, a equipa jogou um futebol empolgante, mas baqueou em Braga, num jogo que foi uma nova batalha campal, com a conivência de outra arbitragem muito segura, de Carlos Xistra; e, depois, acabou por se ir abaixo por duas vezes, na Luz, perante um Porto motivado e uma torcida entregue ao desalento e novamente em Braga, com a equipa animicamente destroçada.
Em vez de se lembrarem do brilhante jogo de há duas épocas, em que, sem Aimar nem Di Maria, e com um Urreta endiabrado que fez o jogo da sua vida, Jesus não abdicou do seu modelo de jogo e ganhámos com um golo de Saviola (que provocou a famosa azia em Hulk, Sapunaru, Fucille, Rodriguez e Helton, protagonistas de lamentáveis cenas nos túneis que, num país a sério, os teriam impedido de continuar a jogar nessa época), alguns benfiquistas optaram por interpretações irracionais do momento da equipa. Não é por acaso que somos o mais português dos clubes portugueses: temos as qualidades e defeitos indígenas - somos pessimistas, maldizentes e perdemos facilmente a confiança nas nossas capacidades.
Vejamos friamente a situação: o Benfica fez um jogo heróico em S. Petersburgo e só perdeu por uma infelicidade do Maxi (um jogador impulsivo que tem os defeitos das suas qualidades), além de ter perdido muito cedo um jogador essencial como é hoje o Rodrigo, ceifado pelo ex-portista Bruno Alves, especialista em golpes de karaté. Em Guimarães, num campo dificílimo, apesar de ter dominado o jogo, o Benfica nada pôde fazer contra uma muralha de aço que soube aproveitar uma vantagem conseguida cedo, num lance de bola parada. E, em Coimbra, ainda sem Javi e sem Luisão nem Rodrigo, voltámos a dominar o jogo e a criar oportunidades sem conta que, ou foram desperdiçadas pela infelicidade dos jogadores, pela sorte e inspiração da defesa dos “estudantes” ou pela cirúrgica miopia de Hugo Miguel.
Que isto tenha acontecido em três jogos seguidos (duas derrotas e um empate em três jogos, perda dos 5 pontos de vantagem sobre o rival, dois jogos seguidos sem marcar, coisa de que já não havia memória), não é, reconheçamos, muito animador em vésperas do jogo que vai ser decisivo na caminhada para o título. Mas acontece a todos os clubes, sobretudo aos melhores clubes (vejam o Barcelona), com equipas habituadas a ganhar e que habituaram os adeptos a vê-los mandar nos jogos e comandar campeonatos.
É certo que a escolha de Pedro Proença não pode deixar de nos inquietar. O Benfica, sobretudo desde que o “Apito Dourado”, contra todas as evidências, deixou impunes árbitros e dirigentes, vive mal com as arbitragens: os árbitros cuja cor clubista não engana, não têm pudor de nos prejudicar, muitas vezes de forma enviesada, em jogos anteriores com os futuros adversários do nosso principal adversário; enquanto os que são conotados com as cores do SLB, como é o caso de Pedro Proença, apitam sistematicamente contra nós, para provar que são isentos. E a verdade é que os seus desempenhos, apesar do apregoado empenho de Vitor Pereira (refiro-me ao Presidente da Comissão de Arbitragem, está bom de ver) nunca são verdadeiramente escrutinados nem punidos.
Mas eu, que sou pouco português nesta irracionalidade e que não me vou abaixo facilmente, prefiro encarar o jogo de amanhã com confiança e optimismo; a confiança e optimismo que eu espero ver nos jogadores do primeiro ao último minuto. Não o digo, nem o peço, por paixão clubista, mas por duas evidências: o futebol do Benfica é, de longe, o melhor e o mais consistente do campeonato. Nem Porto nem Sporting, com treinadores improvisados (no caso dos leões, a meio da época, depois de ter dispensado um treinador sem gabarito para as ambições do clube), jogam um futebol comparável com o nosso, nem em valores individuais nem colectivamente. Nem de perto nem de longe. E Jesus é o melhor treinador do Benfica da era moderna, isto é, desde que, graças ao vídeo, o treino passou a ser o que é o ensaio para o teatro ou as repetições numa orquestra sinfónica.
Jogo é jogo, futebol é futebol e nem sempre os melhores ganham; por azar, batota, infelicidade num lance ou numa lesão, quebra momentânea de concentração ou de forma física, má gestão do sucesso. Mas os benfiquistas têm que perceber que, ao cabo de anos de turbulência, hoje, contra ventos e marés e com alguns dossiers por resolver (como vai comportar-se a direcção da Federação e os departamentos de arbitragem e de disciplina? O que vão dar as difíceis negociações dos direitos desportivos?), o Benfica está finalmente no bom caminho. Assim os benfiquistas não entrem em depressão ao primeiro desaire, tornando-se treinadores de bancada improvisados sem dar o benefício da dúvida a quem tem a árdua tarefa de decidir, que dão bitates avulsos e contraditórios depois dos jogos acabados (devia ter entrado A ou tirado B), o que mina a corrente de confiança que deve ser indefectível entre os adeptos e a equipa e mói a tranquilidade que deve rodear treinador e jogadores.
Amanhã, vamos provar que somos melhores, que somos OS melhores! Nestes tempos de depressão colectiva, em que o povo está a ser submetido ao mais brutal dos ataques à sua soberania, aos seus direitos e à sua confiança, o Benfica tem que provar que continua a ser O grande clube popular, democrático e universal, que sabe o que é a grandeza, e que, até por isso, é uma força aglutinadora de vontades e que deve ser um exemplo de resistência contra o derrotismo e a adversidade.
António-Pedro Vasconcelos, in MasterGroove
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